Uma Questão de Probabilidade
Estamos acostumados a ouvir termos como “azar”, “boa sorte”, “contra as probabilidades”, “golpe de sorte”, “pé-frio” e outras do gênero. É como a cultura explica grandes mudanças no curso da vida, sejam elas desejadas ou não. Conceitos como “fatalidade” ocupam o pensamento e a fala das pessoas, para justificar e, ou, dar sentido às desventuras que ocorrem no cotidiano.
Se tais terminologias, por um lado, trazem ordem ao caos que é a experiência humana, por outro lado mascaram fatos importantes para a análise apurada das relações “causais” entre fenômenos pelos quais passamos.
A visão científica nos mostra algo diferente disso. Mostra algo mais próximo de relações de probabilidade do que de causalidade: caso eu me comporte desta forma, há uma probabilidade, maior ou menor, de ocorrer determinada conseqüência. Desta forma, a ciência, ironicamente, nos mostra que a ordem sobre o caos, muitas vezes, não é atingida, senão de forma meramente probabilística. A vida continua, de certa maneira, caótica e aleatória. Se eu me embriagar e dirigir, há uma grande probabilidade de ocorrer um acidente grave, se eu apostar na loteria, tenho uma pequena probabilidade de ganhar um prêmio em dinheiro, caso eu faça sexo sem preservativo, há uma média probabilidade de me contaminar com alguma doença sexualmente transmissível ou de engravidar (no caso feminino, obviamente).
Talvez por isso as campanhas educativas (que no fundo são estratégias adotadas para a mudança cultural) não obtenham sucesso absoluto: se algumas vezes eu me embriago, dirijo e não provoco acidente, talvez numa outra vez que eu fizer o mesmo eu também não me envolva em acidente. A probabilidade, na verdade, acaba tendo pouco controle sobre a ação do ser humano e passa a ser mascarada pelo conceito de boa ou má sorte: dessa vez eu me embebedei e bati o carro contra o muro porque eu tive azar. Desta vez a fulana transou sem camisinha e teve sorte de não engravidar. A análise ficaria mais complexa se introduzíssemos o conceito de destino, porém deixo o pensamento para um outro texto.
O crédito do pensamento do senso comum é o de dar o conforto que a ciência, neste caso, não dá: sou sortudo, por isso eu nunca me envolvi em acidentes estando bêbado, sou pé-frio, por isso na primeira transa eu já engravidei. Enquanto a ciência diz: você engravidou porque transou desprotegida, a probabilidade de engravidar é de XY% e você foi vítima apenas da aleatoriedade característica das coisas da vida.
Exatamente por isso que a cultura da sorte/azar (e por que não, do destino) sobrevive: porque é importante ao ser humano não sentir culpa por, naquele momento, não ter pensado nas possíveis conseqüências, avaliado a probabilidade e decidido por se comportar de forma que o risco de desventura fosse menor. E viva o senso comum, com sua sabedoria reconfortante.