Volubilidade

A volubilidade me incomoda. Não sei se sempre me incomodou, mas atualmente é uma das ações humanas que mais me irritam. Pela origem do termo, “volúvel” é algo que gira facilmente e, em sentido figurado, é o mesmo que inconstante. Certamente, a petrificação dos hábitos pode ser altamente prejudicial e muitas vezes mudanças são importantes, desejáveis e mesmo imprescindíveis para que uma pessoa possa ter satisfações na vida. Porém, a mudança sem critérios, ou que tenha como único critério o desejo do indivíduo mutável, essa sim me provoca incômodo.
Nas relações humanas, mais do que em outros aspectos, a volubilidade chega a ser preocupante. Vivemos momento de fragilização de vínculos, de relativização das relações; pessoas tornam-se descartáveis e já abordei essa temática em outro artigo. Mas o que exatamente me irrita na inconstância?
A inconstância parece-me ser fruto de um modus operandi maior, alguma disposição cultural que perpassa pelas vidas privadas das pessoas. Por momentos, tenho a impressão que a fuga do desprazer e a busca pelo prazer atingiram níveis inimagináveis em outras épocas. O hedonismo, ou a busca pelo prazer, tão comum em nossa sociedade de consumo irrestrito, alcançou o patamar doentio de transformar a vida humana ao status de objeto. Aliado ao hedonismo temos a fuga do desprazer: vivenciar uma situação que é, ao mesmo tempo satisfatória e aversiva, é algo impensável, pois buscamos o prazer, sempre. Arcar com as consequências dos nossos atos nos traz desprazer e simplesmente não fomos educados a aguentar o desprazer de receber as justas punições pelas nossas faltas. Acontece, inclusive, de fugirmos das punições sem mesmo tê-las experimentado uma única vez que seja. O monstro da dor é tão exacerbado que mesmo em situações seguras, fugimos de qualquer sinal de sofrimento.
Tomemos como exemplo uma situação de cunho pessoal que vivi recentemente: o término de relacionamento. Foram tantas as vezes que vi acontecer de pessoas que, sem maior explicação, sumiram. Sumiram mesmo, deixaram de entrar em contato e de se deixar contactar. Creio que, por um lado, há o hedonismo, de sempre buscar novas pessoas e novas relações, como se todas as pessoas fossem potencialmente fontes de satisfação (e a pessoa não consegue abrir mão de todas as outras oportunidades); por outro lado, o medo de enfrentar a situação e dizer, franca e claramente, “desculpe-me, mas eu sinto que essa relação não é para mim”. Não creio na perspectiva romântica que muitos tomam: de que seja apenas medo de ferir o outro e dizer que tudo acabou. Penso que uma pessoa que desapareça da vida da outra esteja sob ação do medo de se ferir e ter que, potencialmente, encarar uma cena dramática e, ou, agressiva do outro. Nós não fomos educados para lidar com o drama e muito menos com a agressividade e, portanto, fugimos.
Talvez a irritação que sinto pela volubilidade seja a impressão de que o volúvel seja nada mais que covarde, incapaz de aguentar de forma adulta as “punições” da vida. Além disso, sem que a pessoa perceba (ou, se é percebido, tem seu valor minimizado) o volúvel inflige a dor da perda ao outro. Mais ou menos como diz a sádica frase popular: “antes ele do que eu”. Covardia e sadismo. Isso incomoda.